Com o ano 2014 à porta, convém não nos esquecermos que as eleições europeias irão realizar-se já em Maio. No contexto de crise que atravessamos, a Europa torna-se o centro da vida política regional, sendo certo que irá ser debatido o caminho que deve seguir.
Em 2002, as premissas do Tratado de Maastricht, assinado 10 anos antes, tornaram-se uma realidade. A união económica no seio da Europa realizou-se, embora condicionada pela não participação dos países euro-cépticos como o Reino Unido. O destino europeu já estava traçado, para além de uma Europa a 'várias velocidades', o que não era ideal, o sonho europeu acabou por se tornar exequível. A Alemanha também fez parte do Euro, o que parecia uma tarefa delicada, impondo apenas como condição principal um Banco Central Europeu à moda alemã.
Sete anos mais tarde, em 2009, sentiu-se o grande abalo das economias europeias no âmbito da crise económica generalizada, que já tinha oscilado o PIB real da UE em 2008. Foi uma recessão de 4.5% do PIB europeu, chegando a 14.1% na Estónia, 5.1% na Alemanha e 2.9% em Portugal. Embora este índice não seja suficiente para explicar a devastação sofrida pelas economias europeias, indica-nos o essencial: O Euro não resistiu e revelou ser uma presa fácil para a crise.
Em 2012, muitos países europeus, entre os quais Portugal, continuaram com recessões económicas tão ou mais graves do que as observadas em 2009. Os planos impostos pela Troika, cujas qualidades a nível de pensamento económico são dúbias, resultaram numa certa fragilidade de soberania dos estados europeus face às entidades europeias e internacionais. O BCE 'alemão' , que mostrou ser um instrumento inútil face à crise - contrariamente ao norte-americano - e a forma como os países do sul se ajoelham face aos do norte, apontam para um fracasso da união económica europeia que nos deixou desorientados. Hoje é seguro dizer que o Euro falhou.
Maio de 2014 vai chegar já demasiado tarde, porque a crise já actuou. Mas como mais vale tarde do que nunca, é importante saber que mudanças pode trazer. A batalha para o futuro da Europa irá travar-se entre dois campos principais: Os que ambicionam voltar ao passado, ao status quo ante euro; e os que acreditam que o funcionamento da união económica depende da criação, ou aprofundamento, da união política. Sendo o primeiro campo bastante claro, interessa-nos decifrar o segundo.
É claro que a UE não pode continuar da forma que está, e uma união política iria significar, em primeiro lugar, uma significativa perda de soberania. Essa primeira perda, que passaria pela aceitação de laços políticos intrínsecos, não seria necessariamente má. Numa UE em que se nota que uns estados mandam noutros, o fortalecimento político e institucional poderia significar uma diluição de poder dos diferentes estados no espaço europeu, resultando numa maior relevância política da Europa a nível internacional e numa igualdade de poder decisor de todos os estados dentro da mesma. Parece bonito, mas não sabemos quantos dos países que ao verem no que resultou a união económica gostariam de fazer parte de mais um projecto de integração. É uma palavra forte, mas Federação descreve este plano perfeitamente.
Seja como for, quanto ao que nos interessa, Portugal irá ser o bom aluno que tem sido, e em situação alguma irá intervir nos gloriosos planos europeus. Resta-nos saber o que nos espera daqui 10 anos: A implosão europeia consequente da radicalização política que a crise está a originar? A emergência de uma federação europeia? Ou, menos provável, que tudo se mantenha como está, que a Europa do sul se afogue e que a do norte se aguente com dificuldades?
O nosso destino é transparente, não somos o Reino Unido, a nossa voz é pequena e a incompetência política grande. Portugal irá ter o mesmo destino que os seus compatriotas europeus, seja bom ou seja mau: Estamos todos no mesmo barco.
domingo, 29 de dezembro de 2013
sábado, 28 de dezembro de 2013
O que hoje não preveniste amanhã não remedeias.
A Assembleia Nacional Popular Chinesa tomou esta semana duas decisões importantes que evidenciam a mudança que a China tem vivido. A primeira foi a abolição dos campos de re-educação por trabalho forçado (os 'laojiao'), a segunda foi a flexibilização da política de filho único.
Em rota oposta à Europa, na China vão-se ganhando direitos e, lentamente, destruindo algumas instituições da ditadura. Greves em fábricas chinesas obtém aumentos de salário, as importações crescem, a população chinesa vai conquistando e obtendo poder de compra.
O que resultará desta tendência num país que sozinho tem quase o dobro da população da União Europeia e Estados Unidos juntos? A performance chinesa tem estado, até agora, dependente de mão-de-obra barata, do estrangulamento do consumo interno e de uma balança comercial que desde o ano 2000 apenas conhece o termo superavit. Contudo, no mesmo período, o salário médio anual na China tem aumentado a um ritmo de 15% anuais, ultrapassando a taxa de inflação que ronda os 3-7%. Lentamente vai emergindo uma classe média na China, e para alimentar, a 'standards' ocidentais, seria necessário duplicar a produção mundial. Neste fenómeno agrava-se um problema - escassez de recursos.
O chinês de classe média quererá para si exactamente o que vê o europeu ou americano ter, o que me parece um desejo razoável, mas insustentável. Se por enquanto o governo chinês facilmente tem mão na população, com a ocidentalização desta, perderá gradualmente o controlo. A melhoria de vida anda lado a lado com uma mudança de valores. Impor no futuro uma política de filho único como foi imposta no passado poderá ser mais difícil. Quando os protestos começam a obter bons resultados, as más resoluções começam a obter protestos. Assim se passou com a Europa ao longo dos últimos 150 anos e assim se passará na China nos próximos 150.
Regressamos à máxima da economia, gerir os escassos recursos para satisfazer as infinitas necessidades. O problema é que os recursos se aproximam do esgotamento e as pessoas que deles necessitam são cada vez mais.
É insustentável, pelo menos por enquanto, que todo o mundo consuma e desperdice a mesma quantidade de recursos que os 'ocidentais' consomem e desperdiçam. Até porque uns fazem-no a custa dos outros. 'Desculpem lá, chegaram tarde e já usámos mais do que podíamos, não sobra muito para vocês...' não me parece uma solução. Por enquanto consumimos porque não deixamos que os outros o façam e chegará o momento em que essa decisão desliza das garras ocidentais para outras quaisquer, que não hesitaram em consumir à custa dos europeus que 'já tiveram o seu tempo'. Só aí nos preocuparemos com a situação, no exacto momento em que se tornar tarde demais fazê-lo.
É preciso uma mudança no estilo de vida e nos padrões de consumo e desperdício, mas quem gosta de uma mudança que afaste aquilo que conhecemos como conforto?
Ainda é tempo de prevenção, mas porquê prevenir hoje o que se pode remediar amanhã?..
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
É preciso ser
"Eu sou aquilo que tenho. Se não tenho nada, não sou ninguém." (Retirado da obra "Ser ou ter" de Erich Fromm)
Esta é uma triste verdade para muitos dos cidadãos das sociedades ocidentais capitalistas.
Como o próprio sistema fomentou, abandonámos as experiências e o conhecimento pela sua importância na nossa actividade intelectual, abandonámos a profundidade e o humanismo nas relações entre humanos, levando-nos a uma doentia procura pelo bem estar material, acreditando na falsa premissa de que o bem estar nos levaria à suprema felicidade.
Como resultado temos pessoas infelizes, longe de atingirem o seu potencial humano, intelectual, espiritual e ate de solidariedade, presas à avidez do capitalismo e ao egoísmo necessário para lucrar e vingar neste mundo e para o fazer funcionar.
Por isso, vamos ser, em vez de ter.
Vamos ser, vamos amar, vamos respeitar a existência do que nos rodeia sem o desejo de possuir, vamos respeitar a liberdade do outro ser a pessoa que quiser ser, vamos dar as armas a quem nasceu sem elas para poder ser o que quiser. Chega de ter, ninguém é feliz por ter. Chega de acreditar que o dinheiro motiva o trabalho intelectual e que motiva as pessoas a chegarem mais longe.
Que pessoa ocidental é esta que só quer possuir, só quer pensar nas suas posses e nem sequer se preocupa no ser humano que é com os outros, nos sonhos que tem, nas ideias que tem, no amor que partilhou?
A conquista do prazer, vivida com a euforia da concretização do desejo de posse, é seguida de uma tristeza, um vazio, de um sentimento de insatisfação que nos leva a procurar concretizar o prazer seguinte, sem perceber que o vazio é o indicador de ausência de crescimento interior, de ausência de concretização humana e intelectual, ausência de ser.´
Chega de mentiras e de viver de acordo com dogmas impostos por mentes pequenas. Chega de compactuar com esta sociedade capitalista selvagem, obcecada com o material, com a obtenção de lucro. Chega de viver infeliz e a procurar a felicidade onde ela não existe.
Para ser feliz, para evoluir, para acabar com as desigualdades bárbaras entre os Homens e para matar esta sociedade materialista, consumista e auto-destrutiva, é preciso "ser".
"Post coitum animal triste est"
(após o coito, o animal fica triste)
domingo, 22 de dezembro de 2013
Aproveitamento despropositado
O Ministério da Educação e Ciência (MEC) considera que o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) fez um aproveitamento despropositado das declarações do seu ministro. Despropositadas foram as palavras do ministro, responsável pelas instituições que critica. Não me parece que o pedido de demissão seja válido pelas afirmações do ministro. É válido, sim, pela performance de Crato.
Todo o sistema educativo português tem problemas, e a solução de uns depende da solução de outros. Nenhuma universidade pode funcionar bem enquanto tivermos um ensino secundário problemático, e o mesmo se aplica aos restantes graus de ensino. O problema central é a lógica do nosso ensino. Valorizamos a formação técnica e deixamos de parte a preparação pessoal. Um aluno motivado tem uma taxa de 'successo' maior, uma curva de aprendizagem mais bem desenhada. "A curiosidade matou o gato" é o grande lema do sistema de ensino português. É simultaneamente o lema que destrói qualquer hipótese de motivar alunos. Um aluno curioso é um aluno motivado. Alunos motivados motivam professores, e só assim se constrói um sistema de ensino com alguma lógica. Querem uma boa formação técnica? Primeiro é preciso reunir condições para tal.
Nuno Crato tem a chave: aumentar a exigência. Nisto estamos de acordo. Discordamos apenas no método. Há duas formas de aumentar a exigência: forçar os alunos a acompanhar o ritmo, ou criar as condições para os alunos exigirem eles próprios um ritmo maior, porque quando se gosta de aprender ganha-se sede de conhecimento. A via do MEC é a 'examocracia'. Até podiam adoptar um lema novo: "um exame por dia, não sabe o bem que lhe fazia". Felizmente, o método de Crato não funciona. Nem poderia alguma vez funcionar.
Se decidisse usar os milhões que gasta anualmente em provas de avaliação na contratação de mais professores resolvia dois problemas: diminuía o desemprego no sector e melhorava seguramente a performance dos alunos. Uma turma que tenha um rácio menor de alunos/professor será necessariamente mais bem 'sucedida' por uma razão simples - o ensino torna-se mais 'personalizado'. O diálogo simplifica-se e o professor consegue mais facilmente adaptar as suas aulas às características dos seus alunos. Como esperam que um professor do ensino básico dedique atenção suficiente às suas três turmas de 28 alunos? Enquanto o ensino for gerido como se fosse uma empresa, está destinado ao fracasso. Enquanto uma escola em Vila Real de Santo António receber o mesmo tratamento que uma escola no centro do Porto estão as duas destinadas ao fracasso. A envolvente é diferente, os alunos são diferentes, as suas ambições, desejos e circunstâncias são diferentes, e por serem diferentes não podem ser tratadas como iguais.
Não Nuno, o problema não se resolve com exames. Não Nuno, o problema não é dos politécnicos. O problema conheces tu, e com a tua solução só o vais perpetuar.
domingo, 15 de dezembro de 2013
Que liberdade é essa?
Liberdade para ser livre?
Muito se fala na necessidade de liberalizar o funcionamento
do Estado, emagrecendo-o dando-lhe cada vez mais uma função reguladora. Tudo
isto em função da tal necessidade urgente de liberdade. Mas qual liberdade?
Existem muitas liberdades diferentes. A liberdade de expressão é talvez a das mais conhecidas para os portugueses pois foi uma das mais custosas a ter. Mas esta liberdade que se fala é outra. Aparece de forma abstrata, refugiada em argumentos de maior mobilidade profissional e maior oportunidade de emprego. E eu pergunto: Isso que vocês chamam de liberdade, será um tipo de liberdade?
Existem muitas liberdades diferentes. A liberdade de expressão é talvez a das mais conhecidas para os portugueses pois foi uma das mais custosas a ter. Mas esta liberdade que se fala é outra. Aparece de forma abstrata, refugiada em argumentos de maior mobilidade profissional e maior oportunidade de emprego. E eu pergunto: Isso que vocês chamam de liberdade, será um tipo de liberdade?
E com esta pergunta recordo o velho conselho: A tua
liberdade acaba quando a dos outros começa.
Esta “liberdade” que tanto querem implementar liberta apenas
os fortes, os que por si só nascem libertos e desprovidos de qualquer
necessidade de apoio social. Libertando-os ainda mais, dando-lhes mais
liberdade para liberalizarem ainda mais o nosso país, mas à custa da proteção
de quem não nasceu com a liberdade para decidir que rumo seguir. À custa de
quem nasceu desprotegido e que anseia a liberdade para poder decidir a sua
vida, para poder ser feliz. Mas essa liberdade não nasceu com ele, e, por isso,
como qualquer ser humano, devem-lhe ser dadas todas as oportunidades para poder
ter a liberdade com que não nasceu.
Mas se damos toda essa liberdade a quem nasceu livre, tiramos a liberdade de dar a quem está desprotegido o direito de proteção.
Mas se damos toda essa liberdade a quem nasceu livre, tiramos a liberdade de dar a quem está desprotegido o direito de proteção.
E eu pergunto porquê?
Porque é que a liberdade de uns vale mais que outros? Que liberdade
é essa que destrói o homem ao ponto de ele querer apenas a sua liberdade e a de
mais ninguém? E que homem será feliz a ser livre à custa da liberdade dos
outros? E que homem sem liberdade para decidir poderá ser feliz sem lhe ser dada
a liberdade?
E por isso digo, sem medo ou pedantismo, que não há
liberdade maior que a liberdade de respeitar a liberdade para o outro poder ser
livre.
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
Público: "um mundo sem limites" (mediante pagamento de 9,99€/mês)
Quando surgem os jornais online abre-se uma nova era. Nesta nova era pautada pela diversidade podemos seguir vários jornais, de temas diferentes, linhas políticas diversas e até jornais ou revistas de especialidade gratuitamente. Trata-se de um avanço significativo no que toca à disponibilidade e acesso à informação.
Para os jornais esta nova era significa mais leitores da versão digital e menos leitores da versão impressa. Por outras palavras, mais 'vendas' mas menos receitas. No mês passado o Público deu o primeiro passo para solucionar o problema - limita o número de artigos gratuitos a um nível absurdo, vinte por mês.
O primeiro passo era inevitável. Que fosse um passo atrás, por outro lado, era perfeitamente evitável.
Quando uma empresa desenha uma nova estratégia há vários aspectos a ter em conta. Neste caso, tratando-se de um jornal, podemos apontar alguns: o lucro, o impacto social, o impacto na qualidade e quantidade de notícias entregues, impacto para os trabalhadores da empresa, entre outros, resultantes dessa nova estratégia.
Teriam que encontrar uma solução para aumentar receitas e manter a qualidade dos serviços prestados, mas não precisavam de sacrificar a entrega das notícias. Há dois meses qualquer pessoa poderia ler notícias no website do Público, mas para ler artigos de opinião, reportagens, artigos técnicos e outros que tais, o utilizador teria que pagar. Faz algum sentido, são serviços que têm custos mais elevados por necessitarem de mão-de-obra especializada. Para além disso, trata-se de informação de outra natureza. Esta lógica não era a ideal, mas era aceitável. As notícias essenciais estavam disponíveis para quem as quisesse, e as especializadas seriam pagas por quem as desejasse.
Agora podemos ter tudo, "nasceu um mundo sem limites" diz o 'banner' que me proíbe de ler mais notícias por ter excedido o limite mensal. Sem limites mediante pagamento de dez euros mensais.
Incomoda-me que ao desenhar a nova estratégia o lucro tenha sido o aspecto preponderante e que o impacto social da medida não tenha tido grande peso na decisão. Especialmente tratando-se de um jornal, que pelo papel que desempenha tem um forte impacto na nossa sociedade.
Imaginando que a estratégia do Público se torna um modelo entraríamos numa nova (ou antiga) fase: a fidelização e privatização da informação. Imaginando que todos os jornais praticariam o mesmo preço, quem gostasse de dois jornais diferentes e recebesse o salário mínimo gastaria quase 5% do seu rendimento mensal para os poder ler. Falamos de informação, um bem quase essencial.
Esta nova fase não é uma evolução, é um retrocesso.
Se calhar publicidade resolveria o problema. Talvez desse menos lucro, mas pelo menos poderíamos continuar a ler notícias de vários jornais para obter uma visão mais completa da actualidade, mesmo que bombardeados por publicidade. Quem não a desejasse, gostasse de ler crónicas ou reportagens e tivesse meios para pagar, poderia sempre pagar a assinatura. Eles têm a balança, e o cifrão pesa sempre mais. Demais.
Não compactuo com este tipo de estratégia e como protesto não utilizarei mais o site do Público. Apelo a todos os não-assinantes que o façam também, pode ser que a queda de visualizações tenha algum impacto na continuação, ou não, desta estratégia.
domingo, 8 de dezembro de 2013
O que é ser de esquerda hoje?
Nós que nos auto-intitulamos de
esquerda, sob a égide da igualdade, fazemos questão de proclamar a diferença
para com outros grupos idealistas.
Porquê? Será por uma
necessidade de demonstração do bem sobre o mal?
Não, escolho pensar que não. É
pela necessidade urgente do humano pensar pelo humano, para o humano.
Viver é escolher, e esta
escolha está sempre condicionada por tudo o que nos rodeia, desde o interior ao
exterior do próprio ser humano. A única certeza que eu tenho na vida, é que
mais tarde ou mais cedo, vamos todos morrer, cessar de existir, e por isso
mesmo escolho aproveitar o tempo que disponho neste planeta para realizar o
maior número de acções que tornem a minha vida e a dos que virão um pouco mais
agradável.
Ao debater o tema deste artigo
com a pessoa que mais me influenciou a nível político, a senhora minha mãe, fui
confrontado com uma observação bastante pertinente:
“Ok, és de esquerda e vais
tentar fundamentar essa tua escolha, mas pensa também no porquê de não seres de
direita.”
E porque será? Após algum tempo
a procurar no meu pensamento argumentos para me distanciar da ideologia defendida
pela ala direita da política, cheguei a uma conclusão algo simples:
Não sou de direita, porque não
compactuo com a perpetuação das minorias.
Que elas existem e provavelmente
sempre existirão, eu sei. Mas julgo que é através do pensamento de esquerda, e
dos seus valores de igualdade, liberdade, e respeito pelo próximo (tendo em
conta as suas próprias definições para estes conceitos) que podemos encurtar ao
máximo as diferenças que hoje verificamos.
Numa interacção social livre de
preconceitos e respeitadora da diferença, não existe uma necessidade de definir
uma diferença entre esquerda e direita, pois seriam os valores que mencionei
antes os pilares da interacção humana.
Mas
calma, não sou assim tão ingénuo. É preciso ter uma visão pragmática e acima de
tudo, realizável. Por isso, hoje, ao me afirmar como um sujeito político de
esquerda, estou a fazer a minha declaração pública de ruptura com os sistemas de
interacção social vigentes em todos os âmbitos da nossa sociedade.
A razão que eu vejo para me identificar com a esquerda prende-se com a necessidade de mudança. A esquerda é a utopia, e a utopia não é um objectivo, é o caminho a percorrer com a esperança de ver nascer uma geração de seres humanos que não sejam limitados pelo seu lugar de nascença. É o que qualquer indivíduo de esquerda, como eu a vejo, defende: A igualdade de oportunidade.
Ultimamente, espero que a maior
condicionante do ser humano seja também a sua melhor característica, a
LIBERDADE.
Ser de esquerda hoje é ser
alguém que quer o melhor possível para todos e não apenas para si. É ser alguém
que está disposto a lutar pelo que defende, recorrendo a todas as armas que
dispõe, sendo a mais importante o seu discurso. É ser um sonhador acordado, é
ser um positivista, é ser o que muitos chamam irrealista, e mesmo assim, é ser alguém
que não desiste do Homem.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
O que é ser de esquerda hoje?
Numa altura em que a Humanidade enfrenta uma das maiores
crises de que há memória, pondo sérias dúvidas relativamente ao seu futuro e à sua
sobrevivência – quanto mais não seja, no campo mental -, parece-me razoável que
a esquerda realmente adversa ao pântano do capital seja, antes de mais, o
principal foco da ruptura sistémica.
Ser de esquerda, hoje, é tanto.
Podemos dizer, com clara convicção, que o que move a esquerda nestes tempos de renovadas relações pessoais, que levam a uma notória
gratificação pela dependência de instrumentos, e consequentes atalhos para a
alienação - que assim perpetuam a degradação do nosso bem mais precioso, a
felicidade da companhia e do calor humano, no seu mais franco significado -, é
a mudança
O ser Humano, para viver longe das auguras da necessidade
momentânea e da aceitação do conformismo como linha regular de vida, precisa de
partilhar experiências que o marquem, vivendo intensamente; atingindo um nível
de percepção interior profundo e redescobrindo-se a cada esquina ou tormento,
conhece-se.
Na esquerda encontramos o farol – bem mais que político – para
quem não se identifica com a banalização da condição humana no seu meio social,
que lhe retira as asas da criatividade e da possibilidade de serem plenos seres
pensantes.
Nesse farol, vários raios de luz indicam-nos possíveis
caminhos que nos permitem vislumbrar um porto seguro detentor de uma honesta
esquerda vocacionada para um futuro, que se revela cada vez mais, impróprio
para mentecaptas e maquinalmente assertivas no cumprimento de ordens
subjugadoras, pois o que transmite o alento profícuo a que se passe por tais obrigações,
a sua remuneração - o dinheiro - está a afundar-se ao relento da sua própria
estagnação. Podemos, e devemos, vê-lo como um futuro possível.
Só assim o
conseguiremos romper.
E assim continuará a perfurar a sua já frágil linha de
circulação, pondo todos os que dele dependem para se sentirem realizados num
lago sem margem, afogando cegamente nadadores acéfalos.
Procurando, se encontra, e para quem se quiser libertar da
asfixia que nos impede de vivermos dignamente, na esquerda há um sem número de
bóias salvadoras prontas a serem lançadas; que pelo reactivismo - tão característico
do melhor do homem - se mantiveram cheias, vivas, vermelhas…
E grandiosamente espaçosas.
Este sistema desenvolveu-se - enquanto ultrapassava todas as
limitações físicas do Homem - segregando para um campo tecnológico todo o
potencial que tinha para acabar, entre tantos outros, com crimes humanos
inadmissíveis no séc. XXI: a cada segundo morre alguém de fome, por esse
horizonte das falanges do esquecimento capitalista.
Rumou-se ao caminho contrário da satisfação de necessidades
básicas, entrando num percurso de constante insuficiência; o Homem ficou preso
entre as grades de um sistema que, entre naturais crises cíclicas, decide
quanto vamos comer ou trabalhar.
A esquerda, contraria tudo aquilo que limita as
nossas capacidades humanas e sociais; que nos impede de seguir um caminho tão
nosso, tão belo.
Pela virtuosa sensação do companheirismo e do sorriso amigo;
pelas planícies irregularmente perfeitas de onde é possível despedirmo-nos de
um sol que nos acena cautelosamente, sorrindo com a esperança de um céu limpo;
pelas florestas que abundam de fauna e de flora e por querer sentir a vida, sou
de esquerda hoje.
domingo, 1 de dezembro de 2013
O que é ser de esquerda hoje?
(Acordámos, entre nós, que cada autor escreveria um post com a sua definição do 'que é ser de esquerda hoje'. No seguimento do post do Ricardo Henriques, aqui fica.)
Ser de esquerda hoje
é igual a ser de esquerda ontem ou amanha, com uma condicionante: a consciência
de que é hoje possível um novo sistema, mas que nunca foi tão difícil
alcançá-lo.
Aqueles que são de
esquerda posicionam-se contra o presente sistema e, como tal, trato-nos por
anti-sistémicos.
O ‘sistema’ é inimigo
da vida - valoriza-se a si próprio e destrói a vida para se perpetuar. O seu
mecanismo de defesa é o ataque ao ser humano. Fá-lo através da alienação. Desta
forma, o Homem alienado encarrega-se ele próprio de alienar o seu vizinho.
Dificilmente se concebe melhor esquema.
Ser de esquerda hoje
é ser anti-sistémico. Ser anti-sistémico é ser o positivo do sistema, é amar o
Homem e construir a vida para se perpetuar. Somos vidas, sonhos, artes,
culturas, imaginações, construções, o que quisermos, no plural. Quando deixamos
de o ser estamos alienados.
Ser o positivo do
sistema é amar o que somos, no plural, e perpetuar o plural através do que
somos. Não é concebível que o façamos num sistema competitivo e apenas é
possível fazê-lo numa lógica de cooperação.
O sistema capitalista
não está próximo do seu fim, pelo contrário, nunca esteve tão longe. A cada dia
que passa torna-se mais autónomo e eficaz. A alienação cresce sem que por ela
demos, e com ela cresce a força do sistema.
O que nos define é
continuarmos a sonhar, independentemente da força do sistema, porque sonhar é
ser independente do sistema. Sonhar com a mudança é ter fé, ou crença, no ser
humano. Só quem a tem consegue sonhar com algo diferente, porque algo diferente
é algo humano, e só o Homem sonha. A alienação é também a substituição do sonho
por algo menos orgânico.
Quando falo em vida,
no plural, refiro-me não só à pluralidade, mas também à diversidade da vida
humana. O sistema é inimigo da diversidade, a esquerda não pode conceber vida
sem ela, e como tal ser de esquerda é aceitar e perpetuar a diversidade e a
pluralidade. Aceitar a diversidade é também aceitar a desigualdade, porque
somos diferentes. Perpetuar a diferença é tratar a desigualdade
igualitariamente - aplicar justiça e racionalizar a distribuição de recursos.
Ser de esquerda é usar a razão, dando o espaço necessário à irracionalidade.
Passa pela razão
entender que este sistema é insustentável. Contudo, quanto mais tempo se
suster, mais morosa será a recuperação, a todos os níveis. É também
insustentável porque não racionamos os recursos disponíveis, pelo contrário,
exploramos até a exaustão todo o pedaço de terra que tiver valor. Ser de
esquerda é saber usar recursos sem os destruir. Por isso, sim, ser de esquerda
é ser gestor e distribuidor; a razão é a directriz.
O Homem não nasce
para trabalhar, nasce para criar. As criações do Homem não podem ser
mercantilizadas, têm de ser partilhadas. Ser de esquerda é criar, mas também é
partilhar.
A aprendizagem é uma
das características que nos define, e como amantes do Homem, devemos valorizar
a aprendizagem. Hoje mais do que nunca é preciso não confundir educação com
aprendizagem. Educa-se muito para se aprender pouco. É preciso aprender muito
para dispensar a educação.
Não há uma definição
de esquerda. É isto e não só. Contudo, não basta. O que descrevi é ter
consciência de esquerda. Ser de esquerda hoje, ontem ou amanhã é conseguir transferir
alguma desta consciência para a ‘praxis’. Tentar alguma mudança. Arriscar.
Ser de esquerda é ser humano, pelo Humano.
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
Tudo verdade, e tudo válido, mas nada de novo
Na passada 5ª feira, dia 21 de
novembro, lá fui eu à Aula Magna ouvir o que o Sr. Doutor Soares e os seus
convidados tinham para dizer sobre o tema proposto: Em defesa da constituição,
da Democracia e do Estado Social.
No geral a minha apreciação do
evento foi positiva, no entanto, na minha opinião houve uma lacuna gigante.
Faltou o apelo para a Esquerda se unir contra estas políticas.
Falou-se muito na forma como o Presidente
da República compactua com as políticas do seu partido (que estranho) e
consequente necessidade de demissão, deste nosso presidente.
Tudo verdade, e tudo válido,
mas nada de novo.
Falou-se do desrespeito pela
condição do ser humano português que alcançou os seus direitos a um custo
enorme e que ultimamente os vê serem ignorados e toda a sua luta esquecida.
Chegou até a haver afirmações
em que grandes figuras políticas, Mário Soares e Helena Roseta, quase (digo
quase pois no caso desta última, rapidamente reformulou a sua frase), legitimaram
a violência como meio de resposta à violência que os cidadãos portugueses são
alvos por parte deste governo e das suas políticas.
Pacheco Pereira apareceu com um
discurso populista, numa tentativa de se dissociar da imagem que o
social-democrata é um membro do PSD, e que não se identificava com estas políticas
postas em práctica. Reconheço verdade nas suas afirmações, mas sempre ditas
naquele tom politicamente correcto que ouvimos diariamente por parte destes
comentadores. Verdade ou não, é-me indiferente. No entanto reconheço a
importância de ter figuras como o Professor Pacheco Pereira associadas a esta
causa.
Ruben de Carvalho foi ler o seu
discurso previamente escrito. Pode-se argumentar que todos os oradores fizeram
o mesmo, mas não a este nível. O comunista de quem se esperava uma intervenção
acesa e entusiasmada com esta iniciativa, desapontou pela falta de isso mesmo.
Chamou a atenção para situações como a venda de serviços públicos a capitais
estrangeiros e os despedimentos a que temos assistido, sempre com um tom monocórdico.
Novamente sinto a necessidade de remeter para o título deste post: Tudo
verdade, e tudo válido, mas nada de novo.
Falou o Professor Bruto da
Costa, ao qual pertencem estudos importantíssimos sobre a pobreza em Portugal,
acusando o governo de abuso de poder. O Professor afirmou ainda: “(…)
infelizmente para os governantes e para a troika, escasseiam moedas e sobram
pessoas.”
Coube à eurodeputada Marisa
Matias chegar-se à frente e falar dos estudantes que não têm condições para
estudar, dos jovens que são obrigados a emigrar e da necessidade de um governo
que tenha a vontade e força para renegociar a dívida.
Uma agradável surpresa foi o
discurso de Carlos do Carmo. Falou da sua experiência pessoal, do que significou
o 25 de Abril para si, da sua amizade com Álvaro Cunhal, e mais importante que
tudo isto, que vê demasiadas semelhanças entre os dias de hoje e outro período
da história portuguesa que já pensava ultrapassado.
Dedico-me agora, depois de uma
ingénua análise ao que foi dito, a dizer-vos o que enquanto jovem, estudante e
cidadão português me deixou muito desapontado, eu diria até, revoltado:
O número de jovens presentes na
Aula Magna nesta 5ª feira.
Julgo que teria sido possível
contar com os dedos das mãos as cabeças que não apresentavam tons grisalhos ou
mesmo brancos. Não levei a cabo tal tarefa por achar que já bastava ter ficado
com esta ideia, não quis ficar com pior imagem ainda da juventude portuguesa.
Haverá também aqueles que não
se deslocaram a este evento por não se identificarem com as posições deste ou
daquele orador.
Outros ainda que teriam
certamente melhores programas para o seu início de noite de 5ª feira.
Entristece-me olhar à minha
volta num evento destes e reparar que são muito poucas as pessoas da minha
faixa etária com quem posso discutir o que foi dito.
A grande maioria dos jovens
simplesmente não se interessa por qualquer tipo de actividade política. Vivem
num casulo em que seguem as directrizes que lhes são impostas pela sua educação
sem nunca as questionar.
Falta de sentido crítico. É
este um dos maiores problemas que a minha geração enfrenta. Posso afirmar com
toda a sinceridade neste blog que acredito numa democracia em que os cidadãos tenham
o poder de decidir realmente, mas não sei até que ponto quero que as pessoas
com quem me cruzo diariamente sejam detentoras de tal poder.
Acabo este texto com este
desabafo e com a esperança de um Portugal informado e interessado no seu futuro…
HIperligação para os discursos completos: http://www.esquerda.net/artigo/todos-os-vídeos-da-aula-magna/30365
A desmistificação de Kennedy
Há três dias voltou a aparecer em todos os grandes jornais e canais televisivos uma figura de que todos já ouvimos falar, em geral, num tom melancólico. De facto, dia 22-11-2013, fizeram-se 50 anos desde o assassinato do Presidente John Fitzgerald Kennedy.
Nestes 50 anos, a opinião dos cidadãos americanos sobre Kennedy foi quase sempre a mesma: Era o melhor Presidente de sempre. Por outro lado, se formos analisar em que medida estas opiniões mudaram nos últimos 10 anos, iremos deparar-nos com mudanças drásticas. Em 2000, era-nos dito que 85% dos americanos acreditavam que Kennedy tinha sido o melhor Presidente da história dos Estados-Unidos, hoje, restam apenas uns modestos 10%. Enquanto que outrora o aniversário da morte de Kennedy era recordado com glória, a opinião dos media mudou de vez, e o olhar sobre o jovem Presidente hoje em dia é crítico e violento em grande parte.
O Kennedy de hoje não passa de um Presidente medíocre com uma boa imagem que cobria um feitio terrível. É criticado não só pela sua actuação na política externa - a falta de capacidade de responder à construção do Muro de Berlim, a falta de postura face a Khrutchov, a mal-sucedida invasão da Baía dos Porcos - como pela sua vida privada - as inúmeras traições à mulher Jackie, a família mafiosa, a doença - uma colecção de defeitos que na altura passavam despercebidos.
O Kennedy de hoje não passa de um Presidente medíocre com uma boa imagem que cobria um feitio terrível. É criticado não só pela sua actuação na política externa - a falta de capacidade de responder à construção do Muro de Berlim, a falta de postura face a Khrutchov, a mal-sucedida invasão da Baía dos Porcos - como pela sua vida privada - as inúmeras traições à mulher Jackie, a família mafiosa, a doença - uma colecção de defeitos que na altura passavam despercebidos.
O que estas críticas não tomam em conta é a altura em que Kennedy apareceu. Há diferenças abissais entre o contexto geopolítico de hoje e o de há 50 anos. Os Estados-Unidos eram responsáveis por todo o mundo ocidental. Kennedy surgiu como uma figura fresca, um homem novo, bonito e simpático. Era conhecido em todo o mundo, até no nosso país em que a população era praticamente privada do exterior. Surgiu como inovador e como símbolo de uma nova geração americana com ambições. E sobretudo, surgiu numa altura em que um erro mínimo podia causar a terceira guerra mundial.
Diz-se que não teve uma resposta à altura para a construção do Muro de Berlim, mas a resposta à altura podia significar guerra. O célebre "Ich bin ein Berliner" salvou mais gente do que matou, foi uma resposta de status quo , tal como o era a construção do Muro. Enquanto a construção desse muro é vista como uma posição ofensiva, Kennedy soube interpretá-la como defensiva e ter uma resposta à altura: Vocês não passam daí e nós não passamos daqui. Não se tratou de uma solidariedadezinha com os habitantes de Berlim, mas sim de uma decisão estudada para o bem do equilíbrio mundial.
A nível interno, foi o primeiro em muitas décadas a preocupar-se realmente com a segregação social: “O Presidente Lincoln libertou os escravos há 100 anos e, no entanto, os seus descendentes ainda não são totalmente livres”; foi ele que construiu as reformas sociais que foram concluídas mais tarde.
Esteve sempre à altura face aos conflitos internos e externos, e no pouco tempo de mandato que teve tornou-se num herói do bloco ocidental. Foi uma figura transcendente, evitou a terceira guerra mundial na sequência da Crise dos Mísseis de Cuba em 1962 e reformou o país socialmente.
A desmistificação da sua figura baseia-se em erros de interpretação das suas acções, na sua vida privada, mas também em erros que realmente ocorreram. Diz-se que ele se esbarrou contra a própria frase que escreveu: "O maior inimigo da verdade não é tanto a mentira deliberada e desonesta, mas sim o mito persistente, persuasivo e irrealista". O mais curioso, é que os que hoje o pretendem desmistificar são os que outrora o mitificaram. Percebem finalmente que era apenas um homem. Mas o que fica de um grande homem? Os defeitos, ou as virtudes que os cobrem? Os grandes homens são mitificados por aquilo que fizeram e tornaram possível. Kennedy e aquilo que representava tornou muito do que se julgava impossível uma realidade. A própria imagem era maior do que o homem, e por isso lhe chamam um mito; mas também foi a projecção dessa imagem que conseguiu dar uma esperança de que o mundo podia mudar para melhor.
Se era um mito? Talvez. Mas no âmbito da política o mito é muito importante. É um modelo para os tempos que correm. Tal como o foram Washington, o esclavagista; Roosevelt, que morreu nos braços da amante e escondia a sua paralisia; Lincoln, que sabemos lá que pessoa realmente era. E é com base nos mitos do passado que nascem os heróis do presente. É a lição que tiramos do papel que Kennedy teve, por mais negado que seja hoje. Foi o homem que apareceu na altura certa e partiu cedo demais.
Diz-se que não teve uma resposta à altura para a construção do Muro de Berlim, mas a resposta à altura podia significar guerra. O célebre "Ich bin ein Berliner" salvou mais gente do que matou, foi uma resposta de status quo , tal como o era a construção do Muro. Enquanto a construção desse muro é vista como uma posição ofensiva, Kennedy soube interpretá-la como defensiva e ter uma resposta à altura: Vocês não passam daí e nós não passamos daqui. Não se tratou de uma solidariedadezinha com os habitantes de Berlim, mas sim de uma decisão estudada para o bem do equilíbrio mundial.
A nível interno, foi o primeiro em muitas décadas a preocupar-se realmente com a segregação social: “O Presidente Lincoln libertou os escravos há 100 anos e, no entanto, os seus descendentes ainda não são totalmente livres”; foi ele que construiu as reformas sociais que foram concluídas mais tarde.
Esteve sempre à altura face aos conflitos internos e externos, e no pouco tempo de mandato que teve tornou-se num herói do bloco ocidental. Foi uma figura transcendente, evitou a terceira guerra mundial na sequência da Crise dos Mísseis de Cuba em 1962 e reformou o país socialmente.
A desmistificação da sua figura baseia-se em erros de interpretação das suas acções, na sua vida privada, mas também em erros que realmente ocorreram. Diz-se que ele se esbarrou contra a própria frase que escreveu: "O maior inimigo da verdade não é tanto a mentira deliberada e desonesta, mas sim o mito persistente, persuasivo e irrealista". O mais curioso, é que os que hoje o pretendem desmistificar são os que outrora o mitificaram. Percebem finalmente que era apenas um homem. Mas o que fica de um grande homem? Os defeitos, ou as virtudes que os cobrem? Os grandes homens são mitificados por aquilo que fizeram e tornaram possível. Kennedy e aquilo que representava tornou muito do que se julgava impossível uma realidade. A própria imagem era maior do que o homem, e por isso lhe chamam um mito; mas também foi a projecção dessa imagem que conseguiu dar uma esperança de que o mundo podia mudar para melhor.
Se era um mito? Talvez. Mas no âmbito da política o mito é muito importante. É um modelo para os tempos que correm. Tal como o foram Washington, o esclavagista; Roosevelt, que morreu nos braços da amante e escondia a sua paralisia; Lincoln, que sabemos lá que pessoa realmente era. E é com base nos mitos do passado que nascem os heróis do presente. É a lição que tiramos do papel que Kennedy teve, por mais negado que seja hoje. Foi o homem que apareceu na altura certa e partiu cedo demais.
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
O que é ser de esquerda hoje?
Desde
muito novo que me questiono sobre o que é ser de esquerda. Sempre me despertou muito
interesse investigar em que difere uma pessoa de esquerda de uma pessoa de direita e o que representa ser
de esquerda na vida do dia-a-dia. À medida que fui crescendo, fui adoptando certos valores. Valores de justiça, de igualdade de oportunidades, de empatia, e percebi que esses valores me definiam, politicamente, à esquerda. Mas, com o
tempo, fui estudando e descobrindo nas traduções práticas dos regimes de
esquerda não democráticos, capítulos menos felizes e com os quais eu não
concordava, apesar de compreender o seu contexto.
Afinal,
o que é isso de ser de esquerda hoje em dia?
Percebi
que somos muito pequenos para mudar tudo de uma só cartada, mas que somos
gigantes se semearmos as nossas ideias. Dessa forma, aceitei o mundo que me
rodeava. Por muito plástico e falso que fosse, era o mundo com que eu tinha que
lidar. Por isso, comecei a espalhar a semente, conversando com amigos, colegas,
partilhando ideias e conhecimentos não só para minha própria aprendizagem mas
para incentivar nos que me rodeavam um debate mais concreto e aberto sobre ser
de esquerda hoje. Dei por mim a imaginar como aplicar valores de socialismo, de
igualdade e de liberdade na sociedade portuguesa do século XXI. E descobri que,
hoje, mais do que nunca, podemos ser verdadeiramente de esquerda.
A
interpretação do que vivemos e de como o vivemos depende única e exclusivamente
de nós, e dentro de um sistema capitalista repleto de injustiças, podemos
“semear a esquerda”, dando-lhe uma força humanista e colectiva como nunca teve.
Ser de
esquerda depende dos nossos hábitos de consumo. Só depende de nós fazer uma
jantarada em casa com os amigos em vez de ir ao restaurante. Só depende de nós
reduzir a conta da agua colocando um balde por baixo das torneiras que pingam
sem cessar para mais tarde reutilizar. Só depende de nós ser amigo do nosso
amigo e valorizar o lado humano da vida, ninguém nos obriga a ser consumistas e
materialistas. Ser de esquerda é isso mesmo, é semear generosidade e empatia, é
ajudar o outro sem ele nos pedir, é trabalhar em equipa sem pisar ninguém, é
pensar no homem como parte da natureza. E, numa hierarquia de poder superior, é
colocar os interesses da população à frente de tudo o resto: porque para se ser
Governo, é preciso governar.
Ser de
esquerda não é dar esmola, é partilhar. Ser de esquerda é pegar nos sapatos do
outro e calçar. Por isso a esquerda não é algo que se possa agarrar e enfiar em
fatos bonitos dentro de carros guiados por motoristas. É algo mais profundo,
mais complexo e ao mesmo tempo mais terra a terra. São aqueles pequenos nadas
que caracterizam a forma como vivemos a vida. É aceitar as diferenças de todos
e defender a liberdade de cada um. Para mim, ser de esquerda nos dias de hoje,
é valorizar as pessoas pelo que são, não pelo que têm.
A
esquerda de hoje é diferente da de ontem, mas é nessa mesma diferença que se
torna essencial para a construção de um futuro de liberdade e sustentabilidade,
semeada pela palavra e pela paz, pelo conhecimento e pelos valores de justiça
social.
Hoje, sou de esquerda.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
Ainda sobre o partido LIVRE e Tavares
Em conversa, foi-me feita uma crítica que justifica uma anotação:
Não transparece no post anterior, mas na realidade valorizo a iniciativa de Rui Tavares, até porque é absolutamente necessária no quadro político corrente. Havia um vazio que a esquerda precisa de preencher com um bom 'recheio', só espero que o Tavares prove ser um bom 'cozinheiro'.
Partido LIVRE e Tavares
Rui Tavares avança com a criação de um novo partido. É um partido que se situa no 'centro da esquerda' e cuja declaração de princípios nada de novo traz.
O vazio partidário de que Rui Tavares fala é real, situa-se entre o BE e o PS. É real, não porque o BE se radicalizou, mas porque o PS se divorciou de qualquer ideologia e como resultado tornou-se um partido flutuante consoante as circunstancias (acima de tudo consoante a posse de poder ou falta deste). Para além de real, creio mesmo que é um vazio significativo no que toca a eleitorado.
Precisamente por haver esse espaço vazio é necessário que alguém o ocupe.
Para pena de muita gente, o PS não o vai ocupar tão cedo. O BE não tem condições para abranger um eleitorado desta natureza, pelo menos não por enquanto. Surge então Rui Tavares.
Falo em Rui Tavares porque até ao momento não há mais nenhum nome seguro a associar ao novo partido. É arriscado e ousado arrancar assim. É um arranque fraco e pouco consistente, quase incompreensível. Talvez seja uma forma de jogar com as nossas expectativas.
Como se não bastasse, os três objectivos do partido são tão abstractos que é difícil perceber o que o torna diferente do Bloco de Esquerda. No website do partido tudo é confuso num design simples, elegante e intuitivo.
Há um ponto que me parece importante mencionar - a disponibilidade para coligações abertas à esquerda. Só este aspecto dá algum sentido ao LIVRE e o torna numa ferramenta que pode ter alguma relevância política. Se conseguir moderar o debate entre o BE e o PS e fomentar coligações, é um partido que introduz uma nova dinâmica, mas arrancou com o pé errado. A reacção do BE vem da Catarina Martins num tom crítico, acusando Rui Tavares de estar a fazer competição à esquerda. Este partido não surge por motivos de concorrência, mas pela incompetência dos partidos já existentes. A resposta do BE não devia ser de hostilidade, mas de hospitalidade. Só essa atitude reflecte o seu discurso unificador desde a tomada de posse dos dois coordenadores. Como se une a esquerda se assim que surge um novo partido é criticado de ser concorrente em vez de ser aceite como cooperante?
Por enquanto nada surpreende e nada é novo, é só mais do mesmo. Veremos se pelo menos no método surge alguma inovação.
Através do LIVRE, a Joana Amaral Dias volta a aparecer na cena política (o que pouca satisfação traz a quem quer que seja) e pode ser que Rui Tavares consiga mais um mandato como eurodeputado depois de ter 'queimado' o anterior promotor...
Esperemos que não seja esta a razão de ser deste novo partido.
O vazio partidário de que Rui Tavares fala é real, situa-se entre o BE e o PS. É real, não porque o BE se radicalizou, mas porque o PS se divorciou de qualquer ideologia e como resultado tornou-se um partido flutuante consoante as circunstancias (acima de tudo consoante a posse de poder ou falta deste). Para além de real, creio mesmo que é um vazio significativo no que toca a eleitorado.
Precisamente por haver esse espaço vazio é necessário que alguém o ocupe.
Para pena de muita gente, o PS não o vai ocupar tão cedo. O BE não tem condições para abranger um eleitorado desta natureza, pelo menos não por enquanto. Surge então Rui Tavares.
Falo em Rui Tavares porque até ao momento não há mais nenhum nome seguro a associar ao novo partido. É arriscado e ousado arrancar assim. É um arranque fraco e pouco consistente, quase incompreensível. Talvez seja uma forma de jogar com as nossas expectativas.
Como se não bastasse, os três objectivos do partido são tão abstractos que é difícil perceber o que o torna diferente do Bloco de Esquerda. No website do partido tudo é confuso num design simples, elegante e intuitivo.
Há um ponto que me parece importante mencionar - a disponibilidade para coligações abertas à esquerda. Só este aspecto dá algum sentido ao LIVRE e o torna numa ferramenta que pode ter alguma relevância política. Se conseguir moderar o debate entre o BE e o PS e fomentar coligações, é um partido que introduz uma nova dinâmica, mas arrancou com o pé errado. A reacção do BE vem da Catarina Martins num tom crítico, acusando Rui Tavares de estar a fazer competição à esquerda. Este partido não surge por motivos de concorrência, mas pela incompetência dos partidos já existentes. A resposta do BE não devia ser de hostilidade, mas de hospitalidade. Só essa atitude reflecte o seu discurso unificador desde a tomada de posse dos dois coordenadores. Como se une a esquerda se assim que surge um novo partido é criticado de ser concorrente em vez de ser aceite como cooperante?
Por enquanto nada surpreende e nada é novo, é só mais do mesmo. Veremos se pelo menos no método surge alguma inovação.
Através do LIVRE, a Joana Amaral Dias volta a aparecer na cena política (o que pouca satisfação traz a quem quer que seja) e pode ser que Rui Tavares consiga mais um mandato como eurodeputado depois de ter 'queimado' o anterior promotor...
Esperemos que não seja esta a razão de ser deste novo partido.
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