segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Tudo verdade, e tudo válido, mas nada de novo

Na passada 5ª feira, dia 21 de novembro, lá fui eu à Aula Magna ouvir o que o Sr. Doutor Soares e os seus convidados tinham para dizer sobre o tema proposto: Em defesa da constituição, da Democracia e do Estado Social.
No geral a minha apreciação do evento foi positiva, no entanto, na minha opinião houve uma lacuna gigante. Faltou o apelo para a Esquerda se unir contra estas políticas.
Falou-se muito na forma como o Presidente da República compactua com as políticas do seu partido (que estranho) e consequente necessidade de demissão, deste nosso presidente.
Tudo verdade, e tudo válido, mas nada de novo.
Falou-se do desrespeito pela condição do ser humano português que alcançou os seus direitos a um custo enorme e que ultimamente os vê serem ignorados e toda a sua luta esquecida.
Chegou até a haver afirmações em que grandes figuras políticas, Mário Soares e Helena Roseta, quase (digo quase pois no caso desta última, rapidamente reformulou a sua frase), legitimaram a violência como meio de resposta à violência que os cidadãos portugueses são alvos por parte deste governo e das suas políticas.
Pacheco Pereira apareceu com um discurso populista, numa tentativa de se dissociar da imagem que o social-democrata é um membro do PSD, e que não se identificava com estas políticas postas em práctica. Reconheço verdade nas suas afirmações, mas sempre ditas naquele tom politicamente correcto que ouvimos diariamente por parte destes comentadores. Verdade ou não, é-me indiferente. No entanto reconheço a importância de ter figuras como o Professor Pacheco Pereira associadas a esta causa.
Ruben de Carvalho foi ler o seu discurso previamente escrito. Pode-se argumentar que todos os oradores fizeram o mesmo, mas não a este nível. O comunista de quem se esperava uma intervenção acesa e entusiasmada com esta iniciativa, desapontou pela falta de isso mesmo. Chamou a atenção para situações como a venda de serviços públicos a capitais estrangeiros e os despedimentos a que temos assistido, sempre com um tom monocórdico. Novamente sinto a necessidade de remeter para o título deste post: Tudo verdade, e tudo válido, mas nada de novo.
Falou o Professor Bruto da Costa, ao qual pertencem estudos importantíssimos sobre a pobreza em Portugal, acusando o governo de abuso de poder. O Professor afirmou ainda: “(…) infelizmente para os governantes e para a troika, escasseiam moedas e sobram pessoas.”
Coube à eurodeputada Marisa Matias chegar-se à frente e falar dos estudantes que não têm condições para estudar, dos jovens que são obrigados a emigrar e da necessidade de um governo que tenha a vontade e força para renegociar a dívida.
Uma agradável surpresa foi o discurso de Carlos do Carmo. Falou da sua experiência pessoal, do que significou o 25 de Abril para si, da sua amizade com Álvaro Cunhal, e mais importante que tudo isto, que vê demasiadas semelhanças entre os dias de hoje e outro período da história portuguesa que já pensava ultrapassado.
Dedico-me agora, depois de uma ingénua análise ao que foi dito, a dizer-vos o que enquanto jovem, estudante e cidadão português me deixou muito desapontado, eu diria até, revoltado:
O número de jovens presentes na Aula Magna nesta 5ª feira.
Julgo que teria sido possível contar com os dedos das mãos as cabeças que não apresentavam tons grisalhos ou mesmo brancos. Não levei a cabo tal tarefa por achar que já bastava ter ficado com esta ideia, não quis ficar com pior imagem ainda da juventude portuguesa.
Haverá também aqueles que não se deslocaram a este evento por não se identificarem com as posições deste ou daquele orador.
Outros ainda que teriam certamente melhores programas para o seu início de noite de 5ª feira.
Entristece-me olhar à minha volta num evento destes e reparar que são muito poucas as pessoas da minha faixa etária com quem posso discutir o que foi dito.
A grande maioria dos jovens simplesmente não se interessa por qualquer tipo de actividade política. Vivem num casulo em que seguem as directrizes que lhes são impostas pela sua educação sem nunca as questionar.
Falta de sentido crítico. É este um dos maiores problemas que a minha geração enfrenta. Posso afirmar com toda a sinceridade neste blog que acredito numa democracia em que os cidadãos tenham o poder de decidir realmente, mas não sei até que ponto quero que as pessoas com quem me cruzo diariamente sejam detentoras de tal poder.
Acabo este texto com este desabafo e com a esperança de um Portugal informado e interessado no seu futuro…


HIperligação para os discursos completos: http://www.esquerda.net/artigo/todos-os-vídeos-da-aula-magna/30365

A desmistificação de Kennedy

 Há três dias voltou a aparecer em todos os grandes jornais e canais televisivos uma figura de que todos já ouvimos falar, em geral, num tom melancólico. De facto, dia 22-11-2013, fizeram-se 50 anos desde o assassinato do Presidente John Fitzgerald Kennedy.

 Nestes 50 anos, a opinião dos cidadãos americanos sobre Kennedy foi quase sempre a mesma: Era o melhor Presidente de sempre. Por outro lado, se formos analisar em que medida estas opiniões mudaram nos últimos 10 anos, iremos deparar-nos com mudanças drásticas. Em 2000, era-nos dito que 85% dos americanos acreditavam que Kennedy tinha sido o melhor Presidente da história dos Estados-Unidos, hoje, restam apenas uns modestos 10%. Enquanto que outrora o aniversário da morte de Kennedy era recordado com glória, a opinião dos media mudou de vez, e o olhar sobre o jovem Presidente hoje em dia é crítico e violento em grande parte.

 O Kennedy de hoje não passa de um Presidente medíocre com uma boa imagem que cobria um feitio terrível. É criticado não só pela sua actuação na política externa - a falta de capacidade de responder à construção do Muro de Berlim, a falta de postura face a Khrutchov, a mal-sucedida invasão da Baía dos Porcos - como pela sua vida privada - as inúmeras traições à mulher Jackie, a família mafiosa, a doença - uma colecção de defeitos que na altura passavam despercebidos.

 O que estas críticas não tomam em conta é a altura em que Kennedy apareceu. Há diferenças abissais entre o contexto geopolítico de hoje e o de há 50 anos. Os Estados-Unidos eram responsáveis por todo o mundo ocidental. Kennedy surgiu como uma figura fresca, um homem novo, bonito e simpático. Era conhecido em todo o mundo, até no nosso país em que a população era praticamente privada do exterior. Surgiu como inovador e como símbolo de uma nova geração americana com ambições. E sobretudo, surgiu numa altura em que um erro mínimo podia causar a terceira guerra mundial.

 Diz-se que não teve uma resposta à altura para a construção do Muro de Berlim, mas a resposta à altura podia significar guerra. O célebre "Ich bin ein Berliner" salvou mais gente do que matou, foi uma resposta de status quo , tal como o era a construção do Muro. Enquanto a construção desse muro é vista como uma posição ofensiva, Kennedy soube interpretá-la como defensiva e ter uma resposta à altura: Vocês não passam daí e nós não passamos daqui. Não se tratou de uma solidariedadezinha com os habitantes de Berlim, mas sim de uma decisão estudada para o bem do equilíbrio mundial.

 A nível interno, foi o primeiro em muitas décadas a preocupar-se realmente com a segregação social: “O Presidente Lincoln libertou os escravos há 100 anos e, no entanto, os seus descendentes ainda não são totalmente livres”; foi ele que construiu as reformas sociais que foram concluídas mais tarde.

 Esteve sempre à altura face aos conflitos internos e externos, e no pouco tempo de mandato que teve tornou-se num herói do bloco ocidental. Foi uma figura transcendente, evitou a terceira guerra mundial na sequência da Crise dos Mísseis de Cuba em 1962 e reformou o país socialmente.

 A desmistificação da sua figura baseia-se em erros de interpretação das suas acções, na sua vida privada, mas também em erros que realmente ocorreram. Diz-se que ele se esbarrou contra a própria frase que escreveu: "O maior inimigo da verdade não é tanto a mentira deliberada e desonesta, mas sim o mito persistente, persuasivo e irrealista". O mais curioso, é que os que hoje o pretendem desmistificar são os que outrora o mitificaram. Percebem finalmente que era apenas um homem. Mas o que fica de um grande homem? Os defeitos, ou as virtudes que os cobrem? Os grandes homens são mitificados por aquilo que fizeram e tornaram possível. Kennedy e aquilo que representava tornou muito do que se julgava impossível uma realidade. A própria imagem era maior do que o homem, e por isso lhe chamam um mito; mas também foi a projecção dessa imagem que conseguiu dar uma esperança de que o mundo podia mudar para melhor.

 Se era um mito? Talvez. Mas no âmbito da política o mito é muito importante. É um modelo para os tempos que correm. Tal como o foram Washington, o esclavagista; Roosevelt, que morreu nos braços da amante e escondia a sua paralisia; Lincoln, que sabemos lá que pessoa realmente era. E é com base nos mitos do passado que nascem os heróis do presente. É a lição que tiramos do papel que Kennedy teve, por mais negado que seja hoje. Foi o homem que apareceu na altura certa e partiu cedo demais.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O que é ser de esquerda hoje?

Desde muito novo que me questiono sobre o que é ser de esquerda. Sempre me despertou muito interesse investigar em que difere uma pessoa de esquerda de uma pessoa de direita e o que representa ser de esquerda na vida do dia-a-dia. À medida que fui crescendo, fui adoptando certos valores. Valores de justiça, de igualdade de oportunidades, de empatia, e percebi que esses valores me definiam, politicamente, à esquerda. Mas, com o tempo, fui estudando e descobrindo nas traduções práticas dos regimes de esquerda não democráticos, capítulos menos felizes e com os quais eu não concordava, apesar de compreender o seu contexto.

Afinal, o que é isso de ser de esquerda hoje em dia?

Percebi que somos muito pequenos para mudar tudo de uma só cartada, mas que somos gigantes se semearmos as nossas ideias. Dessa forma, aceitei o mundo que me rodeava. Por muito plástico e falso que fosse, era o mundo com que eu tinha que lidar. Por isso, comecei a espalhar a semente, conversando com amigos, colegas, partilhando ideias e conhecimentos não só para minha própria aprendizagem mas para incentivar nos que me rodeavam um debate mais concreto e aberto sobre ser de esquerda hoje. Dei por mim a imaginar como aplicar valores de socialismo, de igualdade e de liberdade na sociedade portuguesa do século XXI. E descobri que, hoje, mais do que nunca, podemos ser verdadeiramente de esquerda.

A interpretação do que vivemos e de como o vivemos depende única e exclusivamente de nós, e dentro de um sistema capitalista repleto de injustiças, podemos “semear a esquerda”, dando-lhe uma força humanista e colectiva como nunca teve.
Ser de esquerda depende dos nossos hábitos de consumo. Só depende de nós fazer uma jantarada em casa com os amigos em vez de ir ao restaurante. Só depende de nós reduzir a conta da agua colocando um balde por baixo das torneiras que pingam sem cessar para mais tarde reutilizar. Só depende de nós ser amigo do nosso amigo e valorizar o lado humano da vida, ninguém nos obriga a ser consumistas e materialistas. Ser de esquerda é isso mesmo, é semear generosidade e empatia, é ajudar o outro sem ele nos pedir, é trabalhar em equipa sem pisar ninguém, é pensar no homem como parte da natureza. E, numa hierarquia de poder superior, é colocar os interesses da população à frente de tudo o resto: porque para se ser Governo, é preciso governar.

Ser de esquerda não é dar esmola, é partilhar. Ser de esquerda é pegar nos sapatos do outro e calçar. Por isso a esquerda não é algo que se possa agarrar e enfiar em fatos bonitos dentro de carros guiados por motoristas. É algo mais profundo, mais complexo e ao mesmo tempo mais terra a terra. São aqueles pequenos nadas que caracterizam a forma como vivemos a vida. É aceitar as diferenças de todos e defender a liberdade de cada um. Para mim, ser de esquerda nos dias de hoje, é valorizar as pessoas pelo que são, não pelo que têm.

A esquerda de hoje é diferente da de ontem, mas é nessa mesma diferença que se torna essencial para a construção de um futuro de liberdade e sustentabilidade, semeada pela palavra e pela paz, pelo conhecimento e pelos valores de justiça social.

Hoje, sou de esquerda.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Ainda sobre o partido LIVRE e Tavares

Em conversa, foi-me feita uma crítica que justifica uma anotação:
Não transparece no post anterior, mas na realidade valorizo a iniciativa de Rui Tavares, até porque é absolutamente necessária no quadro político corrente. Havia um vazio que a esquerda precisa de preencher com um bom 'recheio', só espero que o Tavares prove ser um bom 'cozinheiro'.

Partido LIVRE e Tavares

 Rui Tavares avança com a criação de um novo partido. É um partido que se situa no 'centro da esquerda' e cuja declaração de princípios nada de novo traz.
 O vazio partidário de que Rui Tavares fala é real, situa-se entre o BE e o PS. É real, não porque o BE se radicalizou, mas porque o PS se divorciou de qualquer ideologia e como resultado tornou-se um partido flutuante consoante as circunstancias (acima de tudo consoante a posse de poder ou falta deste). Para além de real, creio mesmo que é um vazio significativo no que toca a eleitorado.
 Precisamente por haver esse espaço vazio é necessário que alguém o ocupe.
 Para pena de muita gente, o PS não o vai ocupar tão cedo. O BE não tem condições para abranger um eleitorado desta natureza, pelo menos não por enquanto. Surge então Rui Tavares.
 Falo em Rui Tavares porque até ao momento não há mais nenhum nome seguro a associar ao novo partido. É arriscado e ousado arrancar assim. É um arranque fraco e pouco consistente, quase incompreensível. Talvez seja uma forma de jogar com as nossas expectativas.
 Como se não bastasse, os três objectivos do partido são tão abstractos que é difícil perceber o que o torna diferente do Bloco de Esquerda. No website do partido tudo é confuso num design simples, elegante e intuitivo.
 Há um ponto que me parece importante mencionar - a disponibilidade para coligações abertas à esquerda. Só este aspecto dá algum sentido ao LIVRE e o torna numa ferramenta que pode ter alguma relevância política. Se conseguir moderar o debate entre o BE e o PS e fomentar coligações, é um partido que introduz uma nova dinâmica, mas arrancou com o pé errado. A reacção do BE vem da Catarina Martins num tom crítico, acusando Rui Tavares de estar a fazer competição à esquerda. Este partido não surge por motivos de concorrência, mas pela incompetência dos partidos já existentes. A resposta do BE não devia ser de hostilidade, mas de hospitalidade. Só essa atitude reflecte o seu discurso unificador desde a tomada de posse dos dois coordenadores. Como se une a esquerda se assim que surge um novo partido é criticado de ser concorrente em vez de ser aceite como cooperante?
 Por enquanto nada surpreende e nada é novo, é só mais do mesmo. Veremos se pelo menos no método surge alguma inovação.

 Através do LIVRE, a Joana Amaral Dias volta a aparecer na cena política (o que pouca satisfação traz a quem quer que seja) e pode ser que Rui Tavares consiga mais um mandato como eurodeputado depois de ter 'queimado' o anterior promotor...
 Esperemos que não seja esta a razão de ser deste novo partido.