sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O perigo do consenso

Após algum tempo sem escrever nada para o 1848, venho dar-vos aqui a minha opinião sobre um dos fenómenos que eu considero mais perigosos do nosso tempo.
John Stuart Mill defendia que a diferença de opiniões e o debate fundamentado que dela ocorria, quando era devidamente fundamentado, proporcionava aos participantes da discussão as várias visões da questão a ser discutida; que só se podia chegar à “verdade” após ter conhecimento das várias versões.
Já Friedrich Nietzsche tinha uma abordagem mais individualista, considerando que só o próprio deveria delimitar os seus limites, ultrapassando a moral e, por consequência, criar as suas verdades. No entanto estas verdades eram apenas aplicáveis a si próprio. O crescimento e a evolução residiam na capacidade de criar algo novo e só nosso.
Tanto em Mill como em Nietzsche, está expresso o ideal de um indivíduo capaz de criar a sua visão do mundo. Mesmo que difiram no meio para chegar a essa soberania, ambos consideram que acima de tudo devemos construir a nossa visão das coisas.
Recentemente, várias vezes, demais até, ouvimos os nossos políticos apelar ao consenso, com o intuito de transformar o debate público sobre a nossa política numa coisa supérflua comparada com as nossas grandes responsabilidades para com os credores ou com as instituições do mundo financeiro. Ora, é este tipo de consenso que eu reprovo.
A minha reprovação proveniente deste tipo de discurso reside exatamente no ponto convergente de Mill e de Nietzsche: Quando apelamos à submissão do debate político e da visão política de cada um a uma agenda ideológica, estamos não só a diminuir a riqueza do mesmo mas como estamos a impor uma “verdade absoluta” ou uma visão da vida aos outros. Estamos a atacar a democracia, estamos a reduzir a força da liberdade de opinião e estamos a propagandear a tirania intelectual (sendo o caso mais descarado o da Economia, manipulando as matérias lecionadas nas faculdades públicas com o intuito de reproduzir somente aquilo que é a ideologia política do governo).
Desta forma, lesa-se não só a riqueza do debate político e o seu papel de promover as diferenças intelectuais, como cortamos as possibilidades de cada um se afirmar pela sua visão do mundo e da vida, de cada um ter espaço para agir de acordo com os seus valores e princípios e de cada um poder criar algo de novo na vida política.

Estamos não só a empastelar o sistema político como estamos a cortar as raízes da riqueza da democracia. Ninguém quer 5 partidos a defender a mesma agenda, nem uma sociedade amorfa que não discute nada porque a dívida fala mais alto. Temos que combater este tipo de discurso. Temos de ser capazes de o por em causa, de apontar as suas falhas. Porque só desta forma conseguimos fazer ver a quem o defende que todos ganham mais com o debate e com a discussão.