Após algum tempo sem escrever nada para o 1848, venho
dar-vos aqui a minha opinião sobre um dos fenómenos que eu considero mais
perigosos do nosso tempo.
John Stuart Mill defendia que a diferença de opiniões e o
debate fundamentado que dela ocorria, quando era devidamente fundamentado,
proporcionava aos participantes da discussão as várias visões da questão a ser
discutida; que só se podia chegar à “verdade” após ter conhecimento das várias
versões.
Já Friedrich Nietzsche tinha uma abordagem mais
individualista, considerando que só o próprio deveria delimitar os seus limites,
ultrapassando a moral e, por consequência, criar as suas verdades. No entanto
estas verdades eram apenas aplicáveis a si próprio. O crescimento e a evolução residiam
na capacidade de criar algo novo e só nosso.
Tanto em Mill como em Nietzsche, está expresso o ideal de um
indivíduo capaz de criar a sua visão do mundo. Mesmo que difiram no meio para
chegar a essa soberania, ambos consideram que acima de tudo devemos construir a
nossa visão das coisas.
Recentemente, várias vezes, demais até, ouvimos os nossos
políticos apelar ao consenso, com o intuito de transformar o debate público
sobre a nossa política numa coisa supérflua comparada com as nossas grandes
responsabilidades para com os credores ou com as instituições do mundo
financeiro. Ora, é este tipo de consenso que eu reprovo.
A minha reprovação proveniente deste tipo de discurso reside
exatamente no ponto convergente de Mill e de Nietzsche: Quando apelamos à
submissão do debate político e da visão política de cada um a uma agenda
ideológica, estamos não só a diminuir a riqueza do mesmo mas como estamos a
impor uma “verdade absoluta” ou uma visão da vida aos outros. Estamos a atacar
a democracia, estamos a reduzir a força da liberdade de opinião e estamos a
propagandear a tirania intelectual (sendo o caso mais descarado o da Economia,
manipulando as matérias lecionadas nas faculdades públicas com o intuito de
reproduzir somente aquilo que é a ideologia política do governo).
Desta forma, lesa-se não só a riqueza do debate político e o
seu papel de promover as diferenças intelectuais, como cortamos as possibilidades
de cada um se afirmar pela sua visão do mundo e da vida, de cada um ter espaço
para agir de acordo com os seus valores e princípios e de cada um poder criar
algo de novo na vida política.
Estamos não só a empastelar o sistema político como estamos
a cortar as raízes da riqueza da democracia. Ninguém quer 5 partidos a defender
a mesma agenda, nem uma sociedade amorfa que não discute nada porque a dívida
fala mais alto. Temos que combater este tipo de discurso. Temos de ser capazes
de o por em causa, de apontar as suas falhas. Porque só desta forma conseguimos
fazer ver a quem o defende que todos ganham mais com o debate e com a
discussão.
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