segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A desmistificação de Kennedy

 Há três dias voltou a aparecer em todos os grandes jornais e canais televisivos uma figura de que todos já ouvimos falar, em geral, num tom melancólico. De facto, dia 22-11-2013, fizeram-se 50 anos desde o assassinato do Presidente John Fitzgerald Kennedy.

 Nestes 50 anos, a opinião dos cidadãos americanos sobre Kennedy foi quase sempre a mesma: Era o melhor Presidente de sempre. Por outro lado, se formos analisar em que medida estas opiniões mudaram nos últimos 10 anos, iremos deparar-nos com mudanças drásticas. Em 2000, era-nos dito que 85% dos americanos acreditavam que Kennedy tinha sido o melhor Presidente da história dos Estados-Unidos, hoje, restam apenas uns modestos 10%. Enquanto que outrora o aniversário da morte de Kennedy era recordado com glória, a opinião dos media mudou de vez, e o olhar sobre o jovem Presidente hoje em dia é crítico e violento em grande parte.

 O Kennedy de hoje não passa de um Presidente medíocre com uma boa imagem que cobria um feitio terrível. É criticado não só pela sua actuação na política externa - a falta de capacidade de responder à construção do Muro de Berlim, a falta de postura face a Khrutchov, a mal-sucedida invasão da Baía dos Porcos - como pela sua vida privada - as inúmeras traições à mulher Jackie, a família mafiosa, a doença - uma colecção de defeitos que na altura passavam despercebidos.

 O que estas críticas não tomam em conta é a altura em que Kennedy apareceu. Há diferenças abissais entre o contexto geopolítico de hoje e o de há 50 anos. Os Estados-Unidos eram responsáveis por todo o mundo ocidental. Kennedy surgiu como uma figura fresca, um homem novo, bonito e simpático. Era conhecido em todo o mundo, até no nosso país em que a população era praticamente privada do exterior. Surgiu como inovador e como símbolo de uma nova geração americana com ambições. E sobretudo, surgiu numa altura em que um erro mínimo podia causar a terceira guerra mundial.

 Diz-se que não teve uma resposta à altura para a construção do Muro de Berlim, mas a resposta à altura podia significar guerra. O célebre "Ich bin ein Berliner" salvou mais gente do que matou, foi uma resposta de status quo , tal como o era a construção do Muro. Enquanto a construção desse muro é vista como uma posição ofensiva, Kennedy soube interpretá-la como defensiva e ter uma resposta à altura: Vocês não passam daí e nós não passamos daqui. Não se tratou de uma solidariedadezinha com os habitantes de Berlim, mas sim de uma decisão estudada para o bem do equilíbrio mundial.

 A nível interno, foi o primeiro em muitas décadas a preocupar-se realmente com a segregação social: “O Presidente Lincoln libertou os escravos há 100 anos e, no entanto, os seus descendentes ainda não são totalmente livres”; foi ele que construiu as reformas sociais que foram concluídas mais tarde.

 Esteve sempre à altura face aos conflitos internos e externos, e no pouco tempo de mandato que teve tornou-se num herói do bloco ocidental. Foi uma figura transcendente, evitou a terceira guerra mundial na sequência da Crise dos Mísseis de Cuba em 1962 e reformou o país socialmente.

 A desmistificação da sua figura baseia-se em erros de interpretação das suas acções, na sua vida privada, mas também em erros que realmente ocorreram. Diz-se que ele se esbarrou contra a própria frase que escreveu: "O maior inimigo da verdade não é tanto a mentira deliberada e desonesta, mas sim o mito persistente, persuasivo e irrealista". O mais curioso, é que os que hoje o pretendem desmistificar são os que outrora o mitificaram. Percebem finalmente que era apenas um homem. Mas o que fica de um grande homem? Os defeitos, ou as virtudes que os cobrem? Os grandes homens são mitificados por aquilo que fizeram e tornaram possível. Kennedy e aquilo que representava tornou muito do que se julgava impossível uma realidade. A própria imagem era maior do que o homem, e por isso lhe chamam um mito; mas também foi a projecção dessa imagem que conseguiu dar uma esperança de que o mundo podia mudar para melhor.

 Se era um mito? Talvez. Mas no âmbito da política o mito é muito importante. É um modelo para os tempos que correm. Tal como o foram Washington, o esclavagista; Roosevelt, que morreu nos braços da amante e escondia a sua paralisia; Lincoln, que sabemos lá que pessoa realmente era. E é com base nos mitos do passado que nascem os heróis do presente. É a lição que tiramos do papel que Kennedy teve, por mais negado que seja hoje. Foi o homem que apareceu na altura certa e partiu cedo demais.

6 comentários:

  1. Vítima de uma inércia mental profunda traçada pelo consentimento do seu próprio conformismo, a população americana continua ainda largamente atenta e presa à mensagem - bem estruturada e francamente corrompida na sua génese - dos media com mais poder; neste espelho quebrado da liberdade, poder, significa obviamente, dinheiro. A imagem de Kennedy foi, como outras, esmiuçada e preparada para a cama de operações. Mais um golpe cirúrgico condescendente, perpetuado pelas terras do tio Sam.
    Irão surgir consequentes, e naturais, acontecimentos sociais, económicos ou, até, espirituais, que levarão eventualmente a uma caída no erro de se desacreditarem, com o passar dos anos.

    Aguardemos a reacção popular num país onde, para cada dez norte-americanos, há nove armas de fogo...
    Até lá, ficará para sempre na história a desmistificação de Kennedy, com toda a certeza sem a intromissão de terceiros.
    Keep it daniboy,

    frangioia

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  2. Obrigado a todos , estava cheio de insónias , graças a vossas excelências vou conseguir retomar o meu sono . Um resto de boa noite.

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  3. Esqueci-me de assinar sorry , Rui Almeida

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  4. Bom post, Dany, parabéns. Está de facto na moda zurzir no Kennedy, muitas vezes pela pena daqueles que ajudaram a mitificá-lo. Os heróis são sempre mais belos vistos de longe. Kennedy estava muito longe de ser um santo, mas não era o demónio que alguns agora pretendem. Acusa-lo de nao ter concluído as reformas que depois Jonhson levou a cabo é o mesmo que responsabilizá-lo por ter sido assassinado.

    De qualquer modo, o sentido da sua brevepassagem pela presidência transcende em muito esse tipo de juízos. Mito ou não ele fez muita gente acreditar que era possível mudar as coisas. E não é por acaso que as balas o levaram. Como levaram o Martin Luther King e o Bob Kennedy... Sempre um atirador solitário sobre o qual pouco se soube na verdade...

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