(Acordámos, entre nós, que cada autor escreveria um post com a sua definição do 'que é ser de esquerda hoje'. No seguimento do post do Ricardo Henriques, aqui fica.)
Ser de esquerda hoje
é igual a ser de esquerda ontem ou amanha, com uma condicionante: a consciência
de que é hoje possível um novo sistema, mas que nunca foi tão difícil
alcançá-lo.
Aqueles que são de
esquerda posicionam-se contra o presente sistema e, como tal, trato-nos por
anti-sistémicos.
O ‘sistema’ é inimigo
da vida - valoriza-se a si próprio e destrói a vida para se perpetuar. O seu
mecanismo de defesa é o ataque ao ser humano. Fá-lo através da alienação. Desta
forma, o Homem alienado encarrega-se ele próprio de alienar o seu vizinho.
Dificilmente se concebe melhor esquema.
Ser de esquerda hoje
é ser anti-sistémico. Ser anti-sistémico é ser o positivo do sistema, é amar o
Homem e construir a vida para se perpetuar. Somos vidas, sonhos, artes,
culturas, imaginações, construções, o que quisermos, no plural. Quando deixamos
de o ser estamos alienados.
Ser o positivo do
sistema é amar o que somos, no plural, e perpetuar o plural através do que
somos. Não é concebível que o façamos num sistema competitivo e apenas é
possível fazê-lo numa lógica de cooperação.
O sistema capitalista
não está próximo do seu fim, pelo contrário, nunca esteve tão longe. A cada dia
que passa torna-se mais autónomo e eficaz. A alienação cresce sem que por ela
demos, e com ela cresce a força do sistema.
O que nos define é
continuarmos a sonhar, independentemente da força do sistema, porque sonhar é
ser independente do sistema. Sonhar com a mudança é ter fé, ou crença, no ser
humano. Só quem a tem consegue sonhar com algo diferente, porque algo diferente
é algo humano, e só o Homem sonha. A alienação é também a substituição do sonho
por algo menos orgânico.
Quando falo em vida,
no plural, refiro-me não só à pluralidade, mas também à diversidade da vida
humana. O sistema é inimigo da diversidade, a esquerda não pode conceber vida
sem ela, e como tal ser de esquerda é aceitar e perpetuar a diversidade e a
pluralidade. Aceitar a diversidade é também aceitar a desigualdade, porque
somos diferentes. Perpetuar a diferença é tratar a desigualdade
igualitariamente - aplicar justiça e racionalizar a distribuição de recursos.
Ser de esquerda é usar a razão, dando o espaço necessário à irracionalidade.
Passa pela razão
entender que este sistema é insustentável. Contudo, quanto mais tempo se
suster, mais morosa será a recuperação, a todos os níveis. É também
insustentável porque não racionamos os recursos disponíveis, pelo contrário,
exploramos até a exaustão todo o pedaço de terra que tiver valor. Ser de
esquerda é saber usar recursos sem os destruir. Por isso, sim, ser de esquerda
é ser gestor e distribuidor; a razão é a directriz.
O Homem não nasce
para trabalhar, nasce para criar. As criações do Homem não podem ser
mercantilizadas, têm de ser partilhadas. Ser de esquerda é criar, mas também é
partilhar.
A aprendizagem é uma
das características que nos define, e como amantes do Homem, devemos valorizar
a aprendizagem. Hoje mais do que nunca é preciso não confundir educação com
aprendizagem. Educa-se muito para se aprender pouco. É preciso aprender muito
para dispensar a educação.
Não há uma definição
de esquerda. É isto e não só. Contudo, não basta. O que descrevi é ter
consciência de esquerda. Ser de esquerda hoje, ontem ou amanhã é conseguir transferir
alguma desta consciência para a ‘praxis’. Tentar alguma mudança. Arriscar.
Ser de esquerda é ser humano, pelo Humano.
muito inspirador. adoro, como já te disse, quando é demonstrada uma paixão pelo ser humano e pelo seu potencial criativo. gostei muito! venham mais!
ResponderEliminarIdentifico-me e concordo por completo
ResponderEliminarMuito Bom!
ResponderEliminarn há esquerda nem direita bro. esses sistemas apenas existem para que as estruturas/orgãos da politica convencional possam sobreviver
ResponderEliminarHá partidos de esquerda ou direita para que as estruturas da política convencional possam sobreviver.
ResponderEliminarHá ideologia de esquerda e de direita para que as estruturas possam ser destruídas ou perpetuadas. Por isso é que a ideologia de esquerda se empenha na 're(e)volução' e a de direita se empenha na 'evolução'. Concordas comigo?
Infelizmente há mais partidos e menos ideologia.
Quem fala, já agora?