Há uns dias Manuel Valls defendeu retirar-se a palavra “socialista”
do nome do Partido Socialista Francês. É compreensível e eu apoio. A hipocrisia
já começa a ser demasiada.
Há semanas coloquei aqui um texto sobre o sectarismo da
esquerda, sobre a prisão que a nossa esquerda vive às utopias do passado. Hoje,
mais do que nunca, reforço essa minha posição. Não se fazem as perguntas
certas, e a pergunta mais crucial de todas ainda está por responder: o que é
ser de esquerda hoje?
Chega de pensar em revoluções à moda do séc. XX, de tentar
reatar chamas que já nem acesas estão. Os problemas da sociedade de hoje são
diferentes, muito mais complexos psicologicamente, muito mais difíceis de
resolver. Não só pela complexidade do tecido existencial que os constitui, mas
porque a mudança já não se resume ao nosso quintal e estende-se pelo bairro
inteiro.
O Estado Social escandinavo é bom (segundo o meu próprio
conceito de bom, que engloba questões como a intervenção do estado na proteção
dos desfavorecidos, liberdade de expressão, fomento à educação, etc). No curto
prazo, deve ser essa a referência para os combates a fazer. Mas infelizmente não
chega. É preciso algo de mais radical mas ao mesmo tempo mais gradual e global.
E quando digo radical, digo romper com os mitos bernsteiniano e soviético.
É preciso acabar com a hipocrisia que senhores como Valls
personificam. Ser de esquerda é querer realmente progredir. E esse crescimento
começa na própria autocrítica, na autoanálise. Começa por sermos francos
connosco e aceitarmos o falhanço da esquerda tradicional. Seja por se ter
desviado ideologicamente para o neoliberalismo e com isso ter perdido a personalidade, seja por ter ficado agarrada aquilo que fazia sentido no passado
e que hoje toma forma num discurso descontextualizado e desligado da realidade,
seja até, em último caso, por não assumir as responsabilidades criminosas dos
regimes autoritários que criou e apoiou.
Por isso é que digo que está na altura de alargar o debate,
de nos questionarmos e não termos medo de participar. A esquerda tem de ter
coragem para participar no poder e com isso dar os primeiros passos para a transformação
mas tem também de se questionar, tem de refletir e estudar, para quando chegar
o momento do passo derradeiro, saber que tipo de sociedade pós-capitalista quer.
Chega de reviver o passado.
Não chega reclamar pelas conquistas socioeconómicas do consenso do pós guerra ou insistir no mito comunista ortodoxo. A esquerda perdeu-se
exatamente porque não soube debater sobre si mesma e compreender as
transformações da sociedade, perdendo a pouco e pouco a sua identidade e o seu
carácter progressista.
Chega de sectarismos à Estaline mas chega também dos Valls
deste mundo. É preciso (re) ler o Marx, pensar pela nossa cabeça e construir a
nova esquerda.
(Porque desde 1789 que aprendemos que a guilhotina nada
resolve.)
Falas dos falhanços da esquerda... Conta-me das n vitórias da Direita.Faz favor.
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