quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Ideias locais para soluções globais


  O capitalismo leva agora mais de um século de desenvolvimento. Está integrado em todos os sectores da sociedade. Ao contrário do que se passava antes, a lógica quantitativa do mercado está presente em todos os espaços que por excelência se distanciavam dessa lógica. Das artes ao tempo livre, da casa ao café, da cultura à tecnologia. É cada vez mais difícil distanciarmo-nos da lógica mercantilista em vigor. Rejeitá-la apresenta-se uma tarefa heroica.
  Já não há, pelo menos na Europa, uma esquerda forte. Não há uma cultura revolucionaria num sector representativo de nenhuma sociedade europeia. Não existe esquerda radical que não seja meramente circunstancial, o Syriza e o Podemos são esquerdas radicais, de dimensões significativas, mas tão passageiras como o Bloco de Esquerda o é. Os objectivos originais de todas as esquerdas foram-se dissolvendo em exigências temporárias. A procura da cura transformou-se em administração de medicamentos. Não consigo conceber, nesta década ou nas próximas, uma solução europeia. Muito menos uma solução mundial. Infelizmente, essas soluções são “coisa do passado”.
  São escassos aqueles que publicamente se assumem como anti-capitalistas, pelo menos na esfera pública, o próprio termo cai cada vez mais em desuso por calculismo político mal calculado.
  Coloco-me então a questão: não passará a solução pelo inverso? Soluções locais e autónomas que tenham o potencial de expansão? Que sejam o laboratório de experiências políticas, quer de organização social como de pensamento livre, de novas formas de governo e antigos métodos de autogestão.
  Comunidades excedentárias que possam usar excedentes para combater défices. Não há emprego ou desemprego numa comunidade, há tarefas, infinitas. Umas necessárias outras acessórias. Não há forma de uma comunidade ser auto-suficiente e ter variedade nos produtos que dispõe. Nem creio que seja desejável uma comunidade que se deseje excluir em absoluto de tudo o que o capitalismo trouxe com ele. Mas é possível que disfrute sem excesso do que de bom há no “desenvolvimento” recorrendo aos excedentes como meio de financiamento.
  Estas comunidades, no entanto, têm que deixar de ser exclusivas daqueles que se marginalizam para serem escolha daqueles que se afirmam. Têm que ser escolhidos não só por nós, mas pelas figuras públicas deste mundo, da política à cultura. Parece-me, infelizmente, que para ganharem a dimensão de “alternativa” têm que ser legitimadas desta forma.
  Têm que se tornar espaços de criação artística e intelectual. Espaços onde a labora e o trabalho são duas coisas diferentes, a primeira necessária e limitada pela necessidade, o segundo como uma escolha, ilimitada pela vontade. O que as cidades foram noutros tempos, pode agora ser o campo.
  O efeito multiplicador aplicar-se-ia na perfeição a este meio, que no espaço de gerações poderá vir a constituir a melhor e mais desenvolvida alternativa ao capitalismo. A multiplicação de comunidades deste género, acompanhada de perto pelo desenvolvimento tecnológico criará condições para que este estilo de vida, inicialmente ligado ao mercado por necessidade dele se separe por possibilidade.
  Que outra solução é tão exequível e real? Que outra solução pode ser tão global senão uma local? Só este formato permite a diversidade necessária para uma escala mundial. Só assim quem se governa vive contente com o seu governo, porque é seu, não apenas escolhido por si. Para além da diversidade de novos sistemas que necessariamente surgirá, a globalização permite igualmente a partilha destes, que não sendo mais marginais se podem rapidamente tornar originais alternativas.
  É a única alternativa real em que consigo pensar. Seguramente existem outras, e esta sem dúvida desencadeará outras tantas, seguramente melhores. Mas como primeiro passo, parece-me o passo mais acertado.

4 comentários:

  1. Nunca ouviste falar em Ciência? O que norteia a tua confiança? Se não encontras soluções nela segue a poesia,como Einstein, que aconselhava:-quando a Ciência falhar,segui os poetas! Acorda,homem,a vida não é feita de patranhas...

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  2. Se te quiseres identificar agradeço, facilita a comunicação. Discutir com anónimos é chato.

    Quanto a este texto, foi escrito mais por impulso do que conscientemente. Foi uma síntese apressada de algumas coisas que me vão na cabeça desde há alguns tempos. Agora que o releio há varias coisas que não me agradam no que escrevi.
    Eu acredito que a ciência é parte da solução como, aliás, explicito no texto. Acreditar que a ciência é A Solução, parece-me ingénuo. Como provavelmente também o meu comentário o é, mas pelo menos é concreto.

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  3. Não te quis magoar... Falo da Ciência como instrumento fiável,o mais fiável que conheço e da poesia.Já chegam para muito, e fora delas a opacidade é tal que mais vale passar ao largo. Estamos nos preliminares de um conhecimento:não tenho pudor em revelar o meu nome, quando vale a pena, e talvez agora valha.

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  4. Obrigado por te indentificares, pedi apenas porque gosto de saber com quem falo.

    Quanto à ciência, não a considero fiável, considero-a útil. Fiável ou não, é a mão que a maneja.
    A poesia, por outro lado, é clara como dizes. Nela confio mais que na ciência. " Têm que se tornar espaços de criação artística e intelectual." Estes são espaços de poesia mais do que qualquer outra coisa. São comunidades humanas que buscam liberdade no campo. A mim parece-me poético :)

    Exagerei claramente quando disse que é a "única alternativa real". Mas é seguramente a que mais me agrada, não obstante não ser aplicável à maior parte dos países não-europeus.

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