quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Intolerância Moderada


  “Assim, cada um destes críticos indulgentes espera levar água ao seu moinho: regulação dos mercados financeiros, limitação dos prémios dos directores, abolição dos “paraísos fisceis”, medidas de redistribuiçãoo, e sobretudo um “capitalismo verde” como motor de um novo regime de acumulaçãoo e gerador de empregos. O caso está arrumado: a crise constitui uma oportunidade para uma melhoria no capitalismo, não para uma ruptura com ele.”

  “Mais do que um grande clash, podemos esperar uma espiral descendente até ao infinito, um abatimento perpétuo que nos dará tempo para nos habituarmos a ele.”

Anselm Jappe, em “Sobre a Balsa da Medusa”

  A questão da participação no governo está a criar uma cisão na esquerda. É uma questão pertinente, pois uma escolha ou outra têm resultados opostos se não contraditórios. Pelo menos nas circunstancias em que nos encontramos hoje.
  O Ricardo falou no perigo do sectarismo da esquerda, que seria a austeridade eterna, o domínio político da direita neoliberal e a descredibilização da democracia e da utilidade dos partidos. O sectarismo dessa esquerda 'radical' que se recusa à participação no governo. A outra esquerda, 'moderada', que deseja uma participação conjunta no governo, impensável sem a coligação com o PS, não é sectária, mas intolerante com a sua 'irmã radical'.
  Entende-se que, quando pela primeira vez nos últimos anos a esquerda (mais alargada) se tenta reunir e unir esforços, se fique frustrado por um dos sectores não estar interessado neste projecto. Mas é necessário compreender que as razões porque esse sector não o faz são válidas.
  Falo agora do perigo da coligação alargada de esquerda. Para o fazer basta fazer algumas alterções às ideias do Ricardo. O perigo seria: capitalismo eterno, o domínio político do centrão conciliador, a credibilização desta democracia e destes partidos.
  Porque a coligação não vai fazer qualquer ruptura com o sistema actual nem desafiar as instituições de Bruxelas, pelo menos não seriamente. A democracia está descredibilizada e com fundamento, porque de democracia pouco resta (bastam os números da abstenção para sustentar esta afirmação) e uma coligação deste género não é muito diferente da coligação presente. Não deixa de se enquadrar na rotatividade bipartidária PS/PSD, assim com a coligação com o CDS não quebra o cíclo do centrão.
  Pior é que a esquerda se continue a queixar de Bruxelas e da Merkel, quando esses são apenas  sintomas tardios de uma patologia conhecida. 
  "Seria muito mais giro e fácil mudar tudo duma vez só, se não vivêssemos na situação actual". Giro seria se nos anos das vacas gordas alguém tentasse dizer que o sistema capitalista não estava a funcionar bem e que deviamos abdicar dele. Se não se faz uma mudança radical (de raiz) em época de insatisfação e consciência das falhas estruturais do sistema, então quando se faz? Nunca, talvez. Mas então a mesma resposta serve para a pergunta 'quando acabará o capitalismo'?
  Admito que não querer alinhar num governo com o PS seja razoável, porque fazê-lo pode ser só legitimar o actual estado de coisas. Alinhar com um governo que pouco fará de ruptura. Não censuro quem não o quer fazer, da mesma forma que não censuro quem o tentará. Apenas porque admito a possibilidade de haver várias respostas a um mesmo problema. Espero que um governo de coligação alargada de esquerda ganhe as eleições, porque tenho a esperança de que será menos mau que o governo actual, mas não vejo nele nenhuma espécie de saída. Apenas uma espécie de bandaid numa ferida muito profunda.
  Marginalizar e rotular pejorativamente de radicais quem não o deseja só dificulta uma mudança séria. Se passados tantos anos de 1848 ainda não se percebeu que 'radicalismos' só nos levam ao fracasso, passados tantos anos desde 1789 já deviamos ter entendido que reformistas nos levam ao fracasso - hoje.
  

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