terça-feira, 25 de março de 2014

Dívida e Desemprego, Saúde e Qualidade de Vida

  Raramente têm os governos posto tanto ênfase numa problemática de longo-prazo. Tudo se faz no curto e curtíssimo prazo em Portugal - "Precisamos agora, já! Consequências? Amanhã veremos o que acontece." E no entanto, quando falamos da dívida discutimo-la num prazo de trinta a quarenta anos (se não mais). Tanta discussão à volta da questão errada.
  Admitamos que é, de facto, possível pagar a dívida. Daqui a quarenta anos a dívida está paga, mas com que dinheiro? A economia contrai (salvo raros momentos), e não vai parar de o fazer porque os níveis actuais de desemprego não vão possibilitar crescimento tão cedo. Ao contrário do quadro que nos pintam, o aumento de exportações é mínimo e proveniente na sua maioria da refinaria de Sines. Superavit é um termo desconhecido para Portugal e assim continuará. Não geramos riqueza, pelo menos não suficiente. Só nos sobra uma hipótese, a mesma de sempre e que será o veículo para conseguirmos pagar esta dívida - pedir empréstimos. Não interessa que a dívida seja pagável, porque se algum dia pagarmos esta dívida, será a pedir emprestado: pagar a dívida com mais dívida.
  Agora analisemos o cenário oposto: não é possível pagar a dívida nos próximos cinquenta anos. É um cenário mais terra-a-terra, como diria um céptico, mais 'realista'. Não sendo possível pagar, temos que restruturar. Suavizar as taxas de juros e alargar a maturidade. Torna as coisas mais agradáveis, mas ficaremos décadas até a totalidade da dívida ser paga e com um orçamento limitado para estimular a economia.
  Não, não é solução suficiente. É absolutamente necessário que parte ou totalidade da dívida seja perdoada. Não é por sermos o país que se portou mal e não quer pagar, é por sermos o país que faz parte de uma UE que não se soube desenhar. E os arquitectos são precisamente aqueles a quem devemos dinheiro. Estes arquitectos quiseram chegar às nuvens com alicerces de madeira, mas quanto mais perto do céu, mais frágil está o edifício. Há três possíveis escolhas, continuar a construir com madeira até o prédio ruir, demolir a obra ou construir alicerces mais consistentes. A primeira escolha passa pela austeridade, a segunda pela cisão da UE e a terceira pelo perdoo da dívida. Não seria novidade, os próprios arquitectos já estiveram endividados e foram perdoados outrora, mas ser perdoado é mais fácil do que perdoar...
  Parte da dívida vai ser perdoada, disso não tenho dúvida, resta saber quando. O problema é que a cada ano que passamos com esta dívida mais frágeis nos tornamos e mais difícil será a recuperação.
  Contudo, há uma questão tão ou mais importante que a dívida - o (des)emprego. 

  Há vários aspectos que merecem uma discussão aprofundada no campo da criação de emprego, mas há um que me parece crucial e que não tem recebido a atenção que merece - a organização do tempo de trabalho.
  Nos últimos quarenta anos experienciámos uma centralização do trabalho no sector terciário.
  Por outro lado, a cada ano que passa, a mecanização vai substituindo o Homem. Perdem-se empregos para computadores e máquinas todas as primaveras.
  A população envelheceu mas não diminuiu substancialmente, a idade de reforma aumentou e durante muitos anos fomos um país receptor de emigrantes e não o contrário.
  Paira uma questão no ar. Se as máquinas vão substituindo os Homens e não se criam novos postos de emprego, com uma população activa crescente e uma centralização do trabalho nos serviços, como se pretende criar emprego?
  Saltando a discussão, vou considerar a ideia de crescimento económico continuo insustentável. Nesta lógica não me parece absolutamente necessário um crescimento desmesurado. Não será então altura de redistribuir o trabalho? Uma redução substancial no horário de trabalho semanal significa uma criação equivalente de emprego. É necessário re-desenhar o mercado de trabalho, pois quando falo de diminuição do horário de trabalho não falo em diminuição de remuneração, mas em manutenção da mesma, em período mais reduzido.
  A contrapartida vem com esta mesma medida. Se os custos de produção (salários) aumentam por um lado, os lucros acompanham por outro lado (incremento na procura) - é importante não esquecer que quem não tem trabalho não consome.
  É preciso abrir esta discussão, porque é de tempo livre que falamos, de qualidade de vida, de saúde mental e física. O desenvolvimento técnico e tecnológico não serve apenas para aumentar brutalmente a produção, pode servir para a manter com um custo humano menos brutal. Não é preguiça nem ócio, é a liberdade de viver sem ter que passar um terço da vida a trabalhar obsessivamente para pagar contas. (Os workaholics não se assustem, podem continuar a trabalhar nos tempos livres!)
  Já que a Europa não será o grande monstro financeiro que outrora foi, porque não investir numa Europa com qualidade de vida?
  Este debate é válido para Portugal e para qualquer país europeu, e é um dos passos para combater o desemprego e tornar o emprego mais humano. É um debate urgente!

1 comentário:

  1. Parabéns Portas está muitíssimo bom, gostei da escrita e é sem dúvida uma das questões mais importantes da actualidade. Dou-te mais mérito ainda por teres pensado tão bem no assunto. Continua (Alexandre)

    ResponderEliminar