domingo, 1 de dezembro de 2013

O que é ser de esquerda hoje?

(Acordámos, entre nós, que cada autor escreveria um post com a sua definição do 'que é ser de esquerda hoje'. No seguimento do post do Ricardo Henriques, aqui fica.)


 Ser de esquerda hoje é igual a ser de esquerda ontem ou amanha, com uma condicionante: a consciência de que é hoje possível um novo sistema, mas que nunca foi tão difícil alcançá-lo.

 Aqueles que são de esquerda posicionam-se contra o presente sistema e, como tal, trato-nos por anti-sistémicos.

 O ‘sistema’ é inimigo da vida - valoriza-se a si próprio e destrói a vida para se perpetuar. O seu mecanismo de defesa é o ataque ao ser humano. Fá-lo através da alienação. Desta forma, o Homem alienado encarrega-se ele próprio de alienar o seu vizinho. Dificilmente se concebe melhor esquema.

 Ser de esquerda hoje é ser anti-sistémico. Ser anti-sistémico é ser o positivo do sistema, é amar o Homem e construir a vida para se perpetuar. Somos vidas, sonhos, artes, culturas, imaginações, construções, o que quisermos, no plural. Quando deixamos de o ser estamos alienados.

 Ser o positivo do sistema é amar o que somos, no plural, e perpetuar o plural através do que somos. Não é concebível que o façamos num sistema competitivo e apenas é possível fazê-lo numa lógica de cooperação.

 O sistema capitalista não está próximo do seu fim, pelo contrário, nunca esteve tão longe. A cada dia que passa torna-se mais autónomo e eficaz. A alienação cresce sem que por ela demos, e com ela cresce a força do sistema.

 O que nos define é continuarmos a sonhar, independentemente da força do sistema, porque sonhar é ser independente do sistema. Sonhar com a mudança é ter fé, ou crença, no ser humano. Só quem a tem consegue sonhar com algo diferente, porque algo diferente é algo humano, e só o Homem sonha. A alienação é também a substituição do sonho por algo menos orgânico.

 Quando falo em vida, no plural, refiro-me não só à pluralidade, mas também à diversidade da vida humana. O sistema é inimigo da diversidade, a esquerda não pode conceber vida sem ela, e como tal ser de esquerda é aceitar e perpetuar a diversidade e a pluralidade. Aceitar a diversidade é também aceitar a desigualdade, porque somos diferentes. Perpetuar a diferença é tratar a desigualdade igualitariamente - aplicar justiça e racionalizar a distribuição de recursos. Ser de esquerda é usar a razão, dando o espaço necessário à irracionalidade.

 Passa pela razão entender que este sistema é insustentável. Contudo, quanto mais tempo se suster, mais morosa será a recuperação, a todos os níveis. É também insustentável porque não racionamos os recursos disponíveis, pelo contrário, exploramos até a exaustão todo o pedaço de terra que tiver valor. Ser de esquerda é saber usar recursos sem os destruir. Por isso, sim, ser de esquerda é ser gestor e distribuidor; a razão é a directriz.

 O Homem não nasce para trabalhar, nasce para criar. As criações do Homem não podem ser mercantilizadas, têm de ser partilhadas. Ser de esquerda é criar, mas também é partilhar.

 A aprendizagem é uma das características que nos define, e como amantes do Homem, devemos valorizar a aprendizagem. Hoje mais do que nunca é preciso não confundir educação com aprendizagem. Educa-se muito para se aprender pouco. É preciso aprender muito para dispensar a educação.

 Não há uma definição de esquerda. É isto e não só. Contudo, não basta. O que descrevi é ter consciência de esquerda. Ser de esquerda hoje, ontem ou amanhã é conseguir transferir alguma desta consciência para a ‘praxis’. Tentar alguma mudança. Arriscar.

Ser de esquerda é ser humano, pelo Humano.


5 comentários:

  1. muito inspirador. adoro, como já te disse, quando é demonstrada uma paixão pelo ser humano e pelo seu potencial criativo. gostei muito! venham mais!

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  2. Identifico-me e concordo por completo

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  3. n há esquerda nem direita bro. esses sistemas apenas existem para que as estruturas/orgãos da politica convencional possam sobreviver

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  4. Há partidos de esquerda ou direita para que as estruturas da política convencional possam sobreviver.
    Há ideologia de esquerda e de direita para que as estruturas possam ser destruídas ou perpetuadas. Por isso é que a ideologia de esquerda se empenha na 're(e)volução' e a de direita se empenha na 'evolução'. Concordas comigo?
    Infelizmente há mais partidos e menos ideologia.
    Quem fala, já agora?

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